quarta-feira, 28 de julho de 2010

Pop de bombacha



Por Bruna Repetto

A fusão inusitada já aparece no cenário do palco, onde gauchíssimas rodas de carretas e cabeças de gado dividem espaço com baterias, amplificadores de guitarra e outros instrumentos elétricos. Em meio a uma decoração que parece saída de um CTG (Centro de Tradições Gaúchas), o vocalista declama O bochincho, de Jayme Caetano Braun, poeta e payador nascido na região das Missões, e eternizado pelos folcloristas por sua narração apaixonada da vida campeira e dos modos gaúchos.

Sua voz se ergue com a impostação própria dos declamadores nativistas, e poderia ser facilmente associada a um típico evento do gênero, não fosse o som pesado das guitarras e baterias que a acompanham.
A combinação inusitada do folclore gaúcho com o rock ganha corpo com o lançamento, em CD e DVD, de Rock de Galpão – Ao vivo. Surgido há quatro anos da união entre o músico Neto Fagundes e a banda noventista Estado das Coisas, o projeto combina dois universos antagônicos.
Apropria-se de elementos e sonoridades roqueiras para apresentar um repertório de canções conhecidas da tradição rio-grandense.
– Eu sempre gostei de misturar a música gauchesca com outros estilos – conta Fagundes.
– Já dei canja com Jair Rodrigues, com a turma do hip-hop e colegas de estilos diferentes. Gosto de levar a nossa cultura para onde ela normalmente não vai. Sou agregador de praias.
O projeto nasceu em uma das principais casas noturnas de Porto Alegre, em 2006. Neto Fagundes e o Estado das Coisas se reuniam para reler canções do cancioneiro regional, clássicos dos festivais de música nativa e da música popular gaúcha dos anos 80. O repertório incluía um grupo diverso de compositores, de Lupicínio Rodrigues a Vitor Ramil, passando por Elton Saldanha, entre outros.
Em 2008, Hique Gomez, do espetáculo Tangos & Tragédias, ingressou no projeto como diretor musical, trazendo algumas mudanças ao projeto inicial. Ele explica que o espaço de cada instrumento precisa ser mantido, para que o folclore fique absolutamente preservado dentro de sua forma contemporânea.
– Hoje temos uma gaita conversando com a guitarra de igual pra igual. Mas o que faz a diferença é que a alquimia dos músicos se processa de uma forma muito natural – analisa Gomez.
– O folclore é justamente a expressão da natureza humana em um determinado local. Vemos que a natureza hoje está em convulsão e jogando a consciência do homem para outras dimensões, e isso aparece na forma como o grupo se expressa.
Entre as referências musicais que também fizeram a mistura do regional com o pop, Fagundes destaca Chico Science e a Nação Zumbi e Pedro Luis e a Parede.
– A cultura do frevo e do maracatu me parecem mais presentes na cena nacional, que as milongas e chamanés que a gente faz aqui – salienta, explicando que a fusão de estilos já ocorre há muitos anos, mas sempre será necessário ser refeita. – É uma forma de nomear uma expressão artística, que carrega todo um passado de tradições e o joga para o hiper-espaço. No caso, o que fazemos eu chamo de Hiperpampa.

A fórmula para se obter um bom resultado, de acordo com os integrantes, é ser espontâneo, já que, como enfatiza Hique, “O público saca quando existe espontaneidade, ele se identifica porque é a natureza humana falando com a mãe natureza”. Líder da banda O Estado das Coisas, Thiago Ferraz lembra que, no início, o projeto causava certa estranheza para o público.
– Ninguém conseguia imaginar o resultado. Mas depois de ver o show, todo mundo se emociona – comenta Ferraz. – Acerta em cheio os mais velhos pela nostalgia e os mais novos pela releitura mais contemporânea.
Pra quem não conhece o folclore gaúcho, com certeza, as músicas vão soar como algo novo, um som diferente e elaborado.


Confira ''Guri'' na versão pop:



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